quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Um Homem Sério (2009) - Direção: Ethan Coen, Joel Coen



Um Homem Sério, dos irmãos Ethan e Joel Coen (Onde os Fracos Não Têm Vez), é um filme repleto de possibilidades de interpretação e difícil classificação de gênero. E aí está a graça da coisa toda. Quem quer assistir a um filme que sabe exatamente como começa e como vai acabar? Trabalhando sempre juntos na produção, roteiro e direção, os Coen adoram confundir o público. Aqui, resolvem fazer isso realmente desde a primeira sequência, ambientada no século XIX, em que um casal recebe em casa um velho que a mulher garante que é um “dybbuk” – ou seja, um fantasma. O desfecho desta historieta, que não função narrativa no que vem a seguir é tão saboroso quanto cético. Estamos no território sem lei dos Coen, onde os sem imaginação ou sem ironia não têm vez. Embora seja inegavelmente uma sátira, em Um Homem Sério o tom cômico nunca perde de vista questões de profunda gravidade. No fundo, é o sentido da vida, de tudo o que fazemos neste pequeno planeta que está sendo testado o tempo todo, assim como o tipo de fé que move cada um. Como o protagonista, um professor de física, Lawrence Gopnick (Michael Stuhlbarg, de Rede de Mentiras), um verdadeiro protótipo do homem comum, do pai de família honesto e trabalhador do Meio-Oeste americano dos anos 1960. Estabelecido este mundo direito, arrumado, em que se move o protagonista, um judeu devoto, paulatinamente se trabalha para colocar tudo em dúvida. O casamento de Lawrence com Judith (Sari Lennick), por exemplo, que ele acreditava tão sólido, está em pedaços. Ela quer o divórcio porque tem um caso com um viúvo, Sy Ableman (Fred Melamed). Os filhos do casal, Danny (Aaron Wolff) e Sarah (Jessica McManus), não parecem dar maior importância ao caso, nem a coisa nenhuma, aliás. Danny só tem olhos para o seu sonzinho portátil e fugir do colega de quem comprou maconha – enão pagou. Sarah quer lavar o cabelo (coisa difícil, porque o tio não sai do banheiro) e sair com a turma de amigas. Esse tio, Arthur (Richard Kind), irmão de Lawrence, é um verdadeiro manual de disfunções. Não sai do banheiro, supostamente para drenar um cisto que tem no pescoço com um aparelhinho, e não está nem aí para o fato de que precisa achar um apartamento para morar. Nas horas vagas, é viciado em jogo, o que será fonte de não poucos problemas, inclusive com a lei. Habilmente, desenham-se uma série de conflitos éticos que põem em questão a integridade que Lawrence acha que tem. Um deles nasce de uma divergência com um aluno sul-coreano, Clive (David Kang). Inconformado com uma nota baixa que pode pôr a perder sua bolsa de estudos, Clive deixa uma alta soma em dinheiro na mesa do professor, depois de insistir que ele o submeta a uma nova prova, sem sucesso. O professor fica abalado, porque precisa cada vez mais de um reforço de caixa, com o divórcio e as encrencas do irmão encostado. Gopnick bem que procura o apoio da religião, sem sucesso. Ele busca conselhos junto aos rabinos da comunidade, mas, jovens ou maduros, eles pouco lhe oferecem fora de um senso comum bem banal. Judeus eles próprios, os Coen traçam aqui uma impiedosa sátira ao judaísmo em diversas situações, com uma riqueza de detalhes que certamente tem raízes autobiográficas. Um exemplo é quando Danny participa de seu próprio “bar mitzvah” completamente chapado depois de fumar um baseado. As digressões que surgem de algumas conversas contribuem para adicionar um toque de perplexidade que faz parte do estilo peculiar de humor dos Coen. Como aquela contada por um rabino, sobre um dentista judeu que verifica com espanto que um cliente gói (não-judeu) tem inscrita nos dentes, em hebraico, a frase: “ajude-me”. Nenhuma destas situações resulta em nenhum grande feito dramático, nenhuma grande conclusão moral ou qualquer epifania. Os Coen já demonstraram generosamente em seus filmes anteriores, como Fargo (96), Queime Depois de Ler (2008) e outros, que são céticos e cínicos demais para dispor-se a qualquer tipo de pregação. Neste sentido, Um Homem Sério insere-se em sua obra como mais um comentário, denso e espirituoso, aliás, sobre a crise do homem comum, da família e também da própria nação norte-americana. Difícil pensar outra coisa a partir da poderosa sequência final, mostrando a aproximação de um tornado, enquanto a bandeira dos EUA está quase sendo arrancada do mastro pelos ventos furiosos, num horizonte cada vez mais sombrio. 

 Neusa Barbosa (Cineweb)

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